Pérolas Indie - Beyond the Hills (2012)

Realizado por Cristian Mungiu
Com Cristina Flutur, Dana Tapalaga, Cosmina Stratan
Género – Drama

Sinopse - Alina e Voichita são amigas desde a infância e dos tempos do orfanato. E são também amantes desde que se tornaram sexualmente adultas. Mas apesar das suas juras de fidelidade, Alina não consegue suportar mais a pobreza em que vive e emigra para a Alemanha, onde se torna empregada num bar. Mas como sente dificuldades em viver separada de Voichita, decide regressar à Moldávia com objetivo de a levar consigo para a Alemanha. O único problema é que, entretanto Voichita traiu-a e devotou o seu amor a... Deus! Voichita vive num convento onde pretende fazer os votos. Relutantemente, o padre do convento aceita receber Alina antes da partida de ambas, mas acaba por descobrir nela não só uma jovem materialista como também hostil e problemática. 

Crítica - Cristian Mungiu já provou que não tem medo de explorar temas complicados ou polémicos nos seus filmes. Em “4 Months, 3 Weeks and 2 Days”, por exemplo, pegou no polémico tema do aborto ilegal e criou um grande filme, que até venceu, sem contestação, a prestigiada Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2007. Em 2012, Mungiu regressou ao Festival de Cannes com este “Beyond the Hills”, mais um magnífico exemplo de uma longa-metragem humana e dramática que, neste caso concreto, versa sobre um tema pertinente e complexo: as regras morais da religião. “Beyond the Hills” perdeu a Palma de Ouro para o belíssimo “Amour”, de Michael Haneke, mas não perdeu, por causa disso, espaço de manobra junto da crítica especializada, que na altura ficou completamente deslumbrada com o seu belo argumento criado por Cristian Mungiu, que também incutiu ao filme um trabalho de realização muito pessoal. Os portugueses só agora puderam comprovar o que a crítica internacional afirmou há mais de um ano atrás, mas a espera valeu a pena, porque realmente é um prazer cinematográfico ver esta tocante e desafiante produção romena, que trespassa inúmeras camadas de complexidade dramática e intelectual durante a sua abordagem intimista da relação romântica entre duas jovens raparigas, que no passado foram amantes mas que, eventualmente, acabaram por seguir caminhos diferentes. O seu problemático reencontro desponta uma intriga, onde a outrora segura fé de uma delas é posta à prova contra os estereótipos culturais, os temas proibidos da religião e a incontestável paixão da sua ex-amante que, por sua vez, terá que lutar contra um poder estabelecido para reconquistar aquilo que perdeu. 
É um prazer ver como Mungiu molda um argumento difícil, que poderia facilmente descambar para um conjunto de clichés e melodramas baratos. O seu trabalho, quer como guionista, quer como realizador, nunca leva “Beyond the Hills” por caminhos bizarros ou amadores e é por isso que, no final, somos presenteados com um filme empolgante que, embora tenha os seus desafios, consegue encher as medidas a todos os espetadores que apreciem uma história provocante e deliciosamente perturbadora, tanto do ponto de vista humano como do ponto de vista social. Um dos aspetos mais importantes e apelativos deste argumento reside na progressiva desconstrução que é feita das múltiplas camadas românticas, sociais e melodramáticas que pautam as várias personagens e os seus objetivos individuais. Esta complexa evolução do guião e das suas personagens, consegue envolver o espetador num profundo sentimento de curiosidade em relação ao que vai acontecer às protagonistas, e ao que estas vão fazer para combater os dilemas e desafios de que são reféns. Este conjunto de teias pessoais e religiosas acaba por levar a uma conclusão que parece ter saído de uma tragédia grega, tal é a profundidade emocional que advém do desfecho deste indulgente drama que, tal como o soberbo “4 Months, 3 Weeks and 2 Days”, aproveita uma relação feminina de grande complexidade para pôr a nu um grupo de comportamentos e estereótipos socioculturais que, se calhar, já não têm lugar na nossa sociedade. Estes dois produtos também têm em comum o facto de terem um elenco feminino absolutamente fundamental e fenomenal que, neste caso, não se restringe apenas às duas jovens protagonistas cheias de potencial, mas sim a todas as atrizes que dão um ar de sua graça ao longo do filme. A crítica internacional tinha razão, quando considerou “Beyond the Hills” um dos melhores filmes do Festival de Cannes de 2012. Esta é apenas mais uma brilhante pérola do cinema romeno, que nos últimos anos têm-nos habituado a grandes histórias e grandes filmes. 

 Classificação - 4,5 Estrelas em 5

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